Ana Albuquerque por Madalena Braz Teixeira

 

"Ana Albuquerque analisa e saboreia com carinho e uma rara qualidade cultural a simplicidade de um decote e a linha que o mesmo descreve. O decotado corresponde ao desenho de um recorte. Marca uma fronteira, uma divisão entre a parte que é exterior e pública e a outra, que é interior e privada.

A primeira linha é executada habitualmente em têxtil e a outra apresenta a pele em diversas variantes, consoante a divisória, entre o que está visível e o que fica oculto. O decote revela uma abertura intencional em que a orla constitui a geometria do seu perímetro.

Este perímetro é uma linha imaginária que pode ter uma leitura, semelhante à linha do horizonte. Ana Albuquerque desenha-o e interpreta-o a três dimensões criando peças escultóricas. Estabelece-se um binómio, vestido/nu, em que existe uma fractura ou diferencial de lógicas, de expressividades e de linguagens que a escultora dá a ver, transportando esta dicotomia, de campos estruturais opostos para o universo da joalharia.

Ana Albuquerque, atenta ao universo feminino e às coisas que à mulher dizem preferencial e primordialmente respeito, olhou para o decote, observou demoradamente as formas histórias e as actuais, comparou, verificou os diversos formatos e níveis a que o olhar chega. Como se tratasse de um reino onde só há damas, Ana Albuquerque confere ao jogo dos decotes um discurso imperial, usando o material nobre das coroas, para a senhora dona do decote e, a linha vermelha de algodão para a senhora dona da linha decotada.

A alquimia gerada no desenrolar do entendimento e da desocultação da ideia de decote, miscigenada com a realidade de três diferenciados decotes, eleitos por Ana Albuquerque, produziu uma lírica muito pessoal e uma afinidade de conteúdos nas três jóias que a artista manufacturou. Surgem então e, paralelamente, três peças de joalharia que são singelas na aparência, mas muito complexas na sua elaboração. Para quem não conhecesse a narrativa de todo este moroso e intrincado processo criativo, os três colares de ouro amarelo surgem com uma linearidade muito simples e evidente. A aparência não é senão uma ilusão…Pelo contrário…

Ana Albuquerque fez o retrato a três decotes e criou uma orla de ouro flexível e um pouco articulada, de modo a que a jóia pudesse ser vestível como se fora uma peça de roupa. Os colares têm uma espessura delicada, suave e simultaneamente matérica, capazes de serem epidérmicos, discretos e, de algum modo eróticos. Foram tratados com todos os afagos que a tecnologia tem hoje ao dispor para, raspando e polindo, criar a requintada e afinada textura que as três peças exibem.

Algumas linhas esparsas mas vincadas são decifráveis na superfície de cada um dos colares: grafismos, sinaléticas, ornamentos? Questões que a autora poderá identificar. Ficam em aberto, como é sempre assim, no devir de cada obra de arte.

No interior, ou no anverso de cada colar estão integrados fios de algodão vermelho que constituem a memória do que foi o decote têxtil, do que se arquivou no sótão das lembranças como se fora um vestígio da roupa que foi usada com aquele decote e da qual o decote foi arrancado. Porque retirar um decote também pode ser uma agressão e uma violência, ou inversamente, como que o início de uma via sedução…

Os três colares representam, claro está, um desejo de renovação da linguagem da joalharia e o aprofundamento da linguagem da indumentária. As três jóias foram imaginadas para serem confortáveis e práticas com uma T-shirt, amplas como uma camisola e inesperadas como as fantasias de uma jovem hippy, projectando-se numa moda que está para além do quotidiano e mesmo do sazonal.

São jóias para serem usadas em momentos de ritual, com dias e tempos de preparação, para serem iniciáticas e distantes do espectáculo da moda. São colares de uma ordem medieval, de cavalaria ou de poesia…
É imaginável existência de uma comunidade de mulheres para quem estas peças foram pensadas. Encontram-se certamente irmanadas por lacs d’amour, pertencentes às confrarias da sabedoria e da fortaleza que as une para o serviço de proteger, de acariciar, pedindo ou esperando o Grande Abraço de partilha, de amor e de transmissão da Vida."

Madalena Braz Teixeira
(excerto de texto do catálogo)

Exposi231;227;o no Museu Nacional do Traje / Comissariada por Madalena Braz Teixeira / Com trabalho de Ana Albuquerque e Gon231;alo Villa de Freitas  sob o tema Decotes / Decote 1 / 2008
Exposição no Museu Nacional do Traje / Comissariada por Madalena Braz Teixeira / Com trabalho de Ana Albuquerque e Gonçalo Villa de Freitas sob o tema Decotes / Decote 1 / 2008
Exposi231;227;o no Museu Nacional do Traje / Comissariada por Madalena Braz Teixeira / Com trabalho de Ana Albuquerque e Gon231;alo Villa de Freitas  sob o tema Decotes / Decote 2 / 2008
Exposição no Museu Nacional do Traje / Comissariada por Madalena Braz Teixeira / Com trabalho de Ana Albuquerque e Gonçalo Villa de Freitas sob o tema Decotes / Decote 2 / 2008
Exposi231;227;o no Museu Nacional do Traje / Comissariada por Madalena Braz Teixeira / Com trabalho de Ana Albuquerque e Gon231;alo Villa de Freitas  sob o tema Decotes / Decote 3 / 2008
Exposição no Museu Nacional do Traje / Comissariada por Madalena Braz Teixeira / Com trabalho de Ana Albuquerque e Gonçalo Villa de Freitas sob o tema Decotes / Decote 3 / 2008
 Exposi231;227;o no Museu Nacional do Traje / Comissariada por Madalena Braz Teixeira / Com trabalho de Ana Albuquerque e Gon231;alo Villa de Freitas  sob o tema Decotes / Recortes / 2008
Exposição no Museu Nacional do Traje / Comissariada por Madalena Braz Teixeira / Com trabalho de Ana Albuquerque e Gonçalo Villa de Freitas sob o tema Decotes / Recortes / 2008

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