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A joalheira Ana Caldas com uma bolsa da Fundação Oriente visitou oficinas de joalharia  na Índia.

A joalheira Ana Caldas com uma bolsa da
Fundação Oriente visitou oficinas de joalharia
na Índia.

Joalharia na Índia: Uma viagem de estudo
 
O Deus protector dos Joalheiros - “Vishwarkarma”
Visitei a Índia várias vezes: em 1998, 2004 e 2008.
Desta última vez estive três meses com uma bolsa de estudo atribuída pela Fundação Oriente, para estudar Joalharia da Índia. O meu programa incluiu pesquisa das técnicas tradicionais, formas e conteúdos, que me serviram de ponte entre a rica e inspiradora herança cultural muçulmana na península ibérica e a Índia com o seu mosaico e fusão étnica, em particular a presença do Islão e o Hinduísmo.

A joalheira Ana Caldas com uma bolsa da Fundação Oriente visitou oficinas de joalharia  na Índia.
Ornamento de trança para Mulher Hindu

O meu estudo começou por várias visitas a oficinas a Miraj e Kolhapur, observando, fotografando, perguntando e tomando notas. Depois o meu estudo e pesquisa em Pune centraram-se no envolvimento com pessoas locais, que me foram abrindo caminhos em torno da produção artesanal e os diversos aspectos da religião integradora do Hinduísmo que, fomentando o respeito por todas as expressões do sagrado, se tornou uma cultura Universal. Ao longo da minha estadia, fui construindo alguns elos de ligação entre esta visão Universal do mundo e a minha necessidade de reflexão e expressão artística em torno do meu trabalho.

A joalheira Ana Caldas com uma bolsa da Fundação Oriente visitou oficinas de joalharia  na Índia.

Em todas as oficinas que visitei, o que observei foi que os recursos empregues com frequência na realização e montagem de peças de joalharia, os procedimentos de construção – que requerem determinados métodos de trabalho – e o uso de determinadas ferramentas, são eficientes, tal é a capacidade técnica destes artesãos; contudo, nem sempre trabalham nas melhores condições. A compreensão destes métodos de trabalho está muito ligada, a meu ver, com as características de uma sociedade que vive da comunicação, do valor das trocas e das relações comerciais, das crenças e dos rituais.
Esta experiência de estudo e pesquisa em oficinas teve, muitas vezes, um quase retorno a uma Idade Média artesanal onde, num mesmo tempo e espaço, trabalhavam todas as especialidades, numa espécie de interdisciplinaridade.
Muitos profissionais deste ofício são pouco reconhecidos, trabalhando na sombra sem quaisquer regalias e privilégios.

A joalheira Ana Caldas com uma bolsa da Fundação Oriente visitou oficinas de joalharia  na Índia.
Mulher muçulmana com os brincos: ”Os seus brincos se agitam nas perfumadas mãos da brisa”

De qualquer modo, o que mais me fascinou na Índia é a ideia de que o Hinduísmo assimilou outras culturas, misturou-se com elas e criou novas formas de expressão nas mais diversas artes. O Islão estabelece-se na Índia a partir do século XII e atingiu o seu expoente máximo sob a Dinastia Mughol (1526-1707), dando origem à cultura hindu-muçulmana; este cruzamento de culturas produziu na Joalharia uma corrente estética esplendorosa.
Esta arte milenar manteve formas antigas e conseguiu dar um novo fôlego à contemporaneidade, não negando o tradicional. As peças mais contemporâneas respiram o mesmo sentimento de “indianidade”, ao contrário do Ocidente, em que as peças primam por uma descontinuidade com o passado. A Joalharia na Índia insinua uma tradição marcadamente popular, que conserva e estimula o significado da acumulação da tradição e experiência recebida de gerações anteriores.
Na Índia, mantém-se um simbolismo enlaçado com a religião; mesmo que muitos elementos figurativos passem entre oficinas de diferentes estados – fruto de uma globalização dentro do próprio país – e se atenue as diferenças étnicas ou de pertença a tal ou tal região, há um forte vínculo ao corpo ornamentado, marcante de uma posição social e crença no poder das figuras ou formas, quais amuletos de protecção e sorte.

A joalheira Ana Caldas com uma bolsa da Fundação Oriente visitou oficinas de joalharia  na Índia.
Rapaz muçulmano com colar

No meu trabalho “Manufacturas do al-Andalus”-, que apela sobretudo ao Amor, à Beleza e Paz -, tento compreender e reflectir sobre a actual situação no mundo, que é de grande conflito e desentendimento entre os povos: assistimos a um perigoso aumento de conflitos inter-étnicos, intolerância, fanatismo, xenofobia, racismo, etc. O que representou o al-Andalus nos séculos X-XI – Idade Média – poderia servir de modelo de convivência nas sociedades contemporâneas; o domínio muçulmano em Portugal fez-se durante mais de cinco séculos, o trânsito de culturas foi enorme, a tradição do Egipto, da Pérsia e de Bizâncio fez ligar o Ocidente e o Oriente.
O meu trabalho apoia-se na regeneração de motivos arcaicos passados entre civilizações e culturas, tentando compreender os elos de ligação entre Ocidente e Oriente, entre o passado e o presente, deixando em cada peça mensagens de Universalidade.

Dezembro / 2008

Ana Caldas
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