
Verónica Leonor
Sobre e para a memória da Verónica Leonor
- 2014
A Verónica Leonor era minha grande e especial amiga, pelo que não posso deixar de escrever num tom pessoal, como se lhe estivera dizendo o que penso e não cheguei a dizer-lhe. Não faz mal, ela sentia o que penso. Está entre as pessoas de quem nunca me esquecerei, porque com ela ri e aprendi muito, tanto humanamente, como em diferentes âmbitos profissionais. Era um exemplo de quem sabe articular com mestria, amizade e profissionalismo, criatividade e alegria, rigor e exigência. Deixava transparecer que considerava que, em todos estos aspectos, todos podemos sempre ir mais longe do que aquilo que pensamos. E assim foi, toda a sua vida!
Conhecemo-nos nos anos oitenta. Durante dois anos, a Verónica foi minha orientadora pedagógica no estágio e formação em exercício em Educação Visual. Cedo entendi todas essas qualidades que lhe aponto. Mais que orientar e ensinar, fazia-nos batalhar para descobrir com entusiasmo. Aprendíamos a aprender – uma frase recorrente no ensino, mas que nunca vi mais ninguém aplicar tão bem como processo educativo para a descoberta. A sua orientação em aula era colaboradora e incentivante, portanto, muito diferente de outros orientares-fiscalizadores que faziam tremer os estagiários. À medida que o tempo passava, entre rigor, exigência e abertura humanista, sentíamos tão bom clima que lhe dissemos que não era mais necessário marcar aulas assistidas. A Verónica passou a entrar nas nossas aulas quando podia, queria ou entendia. Penso que sabia, porque constava que os estagiários de outras disciplinas invejavam a nossa sorte!
Poucos anos depois a Verónica foi publicando vários livros. Foi coautora de quatro manuais escolares para o ensino de Educação Visual do 1º Ciclo e de seis do 2º ciclo, do Ensino Básico, editados pela Porto Editora. Os primeiros do 2º ciclo, baseavam-se num excelente programa em que também colaborou. Era um programa humanista que também exigia criatividade do próprio professor, na articulação de temáticas. Propôs-me ilustrar esses livros, o primeiro dos quais com colaboração de outra ilustradora. Os encontros eram na casa da Verónica. Nesses dias, a Verónica fazia uns maravilhosos chás que tomávamos enquanto ou depois de trabalhar. Foi uma bela e entusiasmante experiencia que durou vários anos! Era extraordinário constatar o modo como, uma pessoa com tanta experiência, também queria ouvir sugestões! Em cada livro que saia, escrevia uma dedicatória que me vazia constatar esta surpresa o que pensava. Por exemplo: “Para a Ana, que ajudou ao parto... Que sofreu com a malta...“ Esta atitude retrata a unicidade das qualidades éticas e humanas da Verónica.
Continuámos sempre a ver-nos, porque tínhamos construído uma amizade e coincidia que a Verónica era minha vizinha. Queria e gostava de ver as minhas joias. Comprou-me várias e, é incrível, mas ainda me lembro quais foram! Quando se reformou, decidiu fazer uma coisa que sempre tinha querido: aprender a fazer joalharia. Era natural, se sempre gostou desta área. Perguntou-me para que escola havia de ir. Sincera como era, disse logo que para o curso da ESAD – onde eu era coordenadora e professora – não queria ir. Tinha feito o curso de Belas Artes, por isso, obviamente, dominava aspectos artísticos, estéticos e projetuais. Tinha claro que queria aprender apenas técnicas e tecnologias. Aconselhei-a a ir para o Centro de Joalharia do Porto, onde penso que ainda estava o Filomeno Pereira de Sousa. Pouco depois, disse-me que preferiu mudar para a Escola Engenho & Arte. Segundo o José João Vilares, inaugurou a escolar. Era a aluna nº 1. Gostou muito e sempre manteve lá o seu cantinho, como sempre me dizia. No E&A foi muito bem acolhida. Era uma pessoa marcante, imagino que, certamente, pelas mesmas razões que antes apontei. Tenho a certeza que também nunca será esquecida nesta escola.
A Verónica rabujava muito comigo porque eu não ia às suas exposições de joalharia. Mandava-me convites com um recado: “já sei que não vais, mas mando na mesma.” Tinha toda a razão... era apenas pela minha crescente preguiça de sair à noite. O que não sabia era como eu falava da sua obra nas minhas aulas na ESAD. Do ponto de vista da joalharia da Verónica Leonor – nome que ficou ligado à joalharia portuguesa –, dizia eu, o aspecto mais forte e interessante que detecto são as características interculturais. Certas matérias tornam-se conteúdos metaforizados que referem o tempo que viveu em Marrocos com o marido, Dr. Paulo Mendo. Por lá fizeram amigos, gostavam do lugar, iam e voltavam. Marrocos é um lugar onde, por tradição, há muitos ourives. Mas não eram essas formas e ornamentos que prendiam a atenção da Verónica. Esses conteúdos metaforizados que interligam mundos, eram fios, cordões, passamanarias e, também, as variadas sementes de que sempre apreciou. Estas matérias vão articular-se com formas, cuja natureza criativa se associa a outro tipo de peças mais recentes. Entre linhas, planos e curvas, correspondem a uma poética própria da Verónica.
Ana Campos, Janeiro 2014
A PIN agradece a colaboração de José João Vilares, Diretor da Escola Engenho & Arte, pelo fornecimento de elementos que completam o currículo da Verónica Leonor, assim como fotografias pessoal e de peças.










CURRÍCULO
Formação Académica
Licenciada com o Curso de Pintura da Escola de Belas Artes do Porto.
Actividade profissional
Participou nas escavações de Chella ( Marrocos) e Conímbriga em 1963-64-65, tendo-se dedicado sobretudo ao estudo da Terra Sigilata, como bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian e do Centre de Recherche Scientifique du Maroc.
Professora efectiva de Educação Visual do 2º Ciclo do Ensino Básico de 1970 a 1980.
Participou na elaboração do programa de Educação Visual do 2º ciclo do ensino básico (1974-75).
Colaborou na experiência ICAV ( Iníciação à Comunicação Áudio-Visual) desenvolvida pela Direcção Geral do Ensino Básico e o “Centre de Documentation Pédagogique” de Bordeus
Orientadora pedagógica dos estágios do 5º grupo e da formação em exercício.
Orientadora de várias acções de formação destinadas a Professores do 1º,2º e 3º ciclo.
Co-autora de quatro manuais escolares para o ensino de Educação Visual do 1º Ciclo e de seis do 2º ciclo, do Ensino Básico, editados pela Porto Editora
Docente da Escola Superior de Educação do Porto de 1980 até 1999.
Actividade em Joalharia
A partir de 1999 dedica-se à joalharia de autor, tendo tirado o curso de Joalharia contemporânea na Escola Engenho & Arte do Porto.
Nesta área participou em várias exposições colectivas, na Escola Engenho & Arte (2006-05-03-02, Dezembro). Destacam-se:
2013 – “Árvore – 50 Anos / 50 Mulheres" – Árvore Cooperativa de Atividades Artísticas – Março – Porto
2011 – “Contaminações” – colectiva com Carlos Reis – Sociedade Nacional de Belas Artes Novembro – Lisboa
2010 – “Contaminações” – colectiva com Carlos Reis – Escola Engenho & Arte – Novembro – Porto
1999 – Exposição comemorativa dos vinte e cinco anos do 25 de Abril, promovida pela Escola Engenho e Arte do Porto, em que obteve o 1º Prémio.
1º Prémio da Exposição comemorativa dos 25 anos do 25 de Abril, promovida pela Escola Engenho & Arte.
Exposições Individuais
2008 – “Evolution” – Centro Cultural Português da Embaixada de Portugal em Marrocos, com patrocínio desta entidade e do Instituto Camões – Novembro – Rabat
2008 – Árvore Cooperativa de Atividades Artísticas – Março – Porto
2007 – Escola Engenho & Arte – Novembro – Porto
2005 – Escola Engenho & Arte – Março – Porto
2003 – Centro Municipal de Cultura de Ponta Delgada – Novembro – Ponta Delgada
2002 – Casa da Beira Alta – Maio – Porto
2001 – Museu Nacional do Trajo – Abril – Lisboa