Schmuck 2013 • Munique
Reflexão Crítica • Parte I
Cristina Filipe • Março 2013


 

Handwerksmesse

A hoje denominada “Schmuck” é uma exposição que remonta a 1959 e que decorre anualmente no Handwerksmesse, em Munique. É uma grande mostra internacional que reúne “supostamente, mas subjectivamente” o que de melhor se faz na área da joalharia, um pouco por todo o mundo.

Originalmente denominado  “Internationale Sonderschau Form und Qualität auf der Internationalen Handwerksmesse”, esta iniciativa passou, na década de 80, a ser formada por  duas grandes exposições: a “Schmuckszene” e a “Jungend Gestaltet”, a que correspondem  respectivamente a “Schmuck” e a “Talent”. 
 


1. Margarida Schimmelpfennig, pendentes que representaram Portugal na “Schmuck” 1966.


Em 1964 e 1966 Portugal foi pela primeira vez representado nesta exposição por Margarida Schimmelpfennig (Porto, 1930), uma artista de ascendência alemã que se formou em escultura na Escola Superior de Belas-Artes do Porto e que após os seus estudos procurou, em Munique, um tutor que a iniciasse nos esmaltes. O Handwerkammer apresentou-a ao mestre e artista pioneiro da joalharia contemporânea nos anos 60 do século XX, Hermann Junger (Alemanha, 1922).  

Em 1975, é a vez de Tereza Seabra ser a nossa representante, no período em vivia e trabalhava em Hamburgo.


2. Capa Catálogo “Scmuckzsene“ e página da representação portuguesa, 1989


Portugal só volta a ser representado neste evento a partir da década de 80 , em 1989, com Marília Maria Mira e Pedro Cruz   na “Schmuckszene” e, com  Cristina Filipe na “Jugent Gestalted”, que venceu o prémio homónimo nesse ano. Seguiram-se Alexandra Serpa Pimentel, Filomeno Pereira de Sousa, Dulce Ferraz, Teresa Milheiro e Pedro Sequeira, entre outros.

Importa hoje questionar como é que esta ambiciosa exposição internacional – que representa anualmente o trabalho de cerca de cinquenta artistas,  escolhidos por um júri especializado – conseguiu ao longo das últimas décadas transformar Munique no epicentro mundial de eventos em torno  da joalharia?

A “Schmuck” impôs, desde sempre,  múltiplas restrições aos seus participantes. As jóias deverão ser obrigatoriamente portáveis e ergonómicas, excluindo, à partida, trabalhos de grande formato e mais experimentais, o que foi motivando o surgimento de eventos paralelos, muitas  vezes contestatários à sua postura um pouco conservadora.  O seu desenho expositivo também teve sempre restrito a vitrinas, tendo sido a edição de 2013 a primeira a  apresentar um trabalho    em formato instalação, independente da vitrina – a peça “Swarm” de Nanna Melland.

O mentor desta dinâmica programacional alternativa à “Schmuck” foi Otto Künzli, que no início da década de 90, tomou posse do lugar deixado pelo Professor Hermann Junger, na Akademia  der Bildenden Künste, em Munique.

Künzli com o seu grupo de alunos desenharam em 1993,  uma linha de acção “política”, interventiva e “revolucionária”, com o projecto acção “Gold oder Leben” (Ouro ou Vida).




Ouro ou Vida


3. Capa do catálogo “Gold oder Leben / Gold or Life”,
Dokumentation, Março, 1993

”GOLD!GOLD!GOLD!” became, for us,”GOLD OR LIFE”, an intense, yet still loose series of events, performances and demonstrations, productions and portrayals, from actions, investigations, analyses and questions from preoccupations, descriptions and reflections from, with, and about jewellery.” (Otto Künzli, 1993) .
 
Com isto,  Künzli e os seus alunos procuravam combater a “ditadura” imposta  pelo Handwerksmesse – uma verdadeiro espaço de feira estandardizado onde a hoje denominada “Schmuck” sempre se alojou. Uma área restrita de um grande pavilhão onde decorrem múltiplos eventos, um pouco “inóspita”, num contexto totalmente desajustado à grande maioria das obras em exposição. Notamos que o percurso da porta de entrada ao local de exposição nos obriga a atravessar uma realidade ruidosa completamente fora do contexto daquilo que procuramos ver. De facto, o lugar é desencorajador e isso justifica, em parte, a necessidade de se romper com o estigma e lançar ideias alternativas, mais arrojadas e em sintonia com os trabalhos realizados nesta disciplina.

Künzli procurava também a inclusão dos futuros artistas na cena:
 “The class for Jewellery and Hollow-ware, of the Academy of Fine Arts, Munich, who is retrospect, has been jointly responsible for the established quality and quantity of jewellery in this town, could have also been caught in this overflowing. The fresh, unconventional, unusual, and especially vulnerable work of the youngest generation, who are still partially studying, were categorically excluded. The disappointment was somewhat alleviated  by the insight into the fact that even though the town was deluged by jewellery. Voluntarly and with firm convinction, we laid down the promise, that for the 31 days of the month of March ’93, we would not put any pieces of jewellery in show cases, shop Windows, or any other (golden) cage.” (Künzli, 1993)

Nesse sentido, na década de 90, Otto Künzli e os seus discípulos,  na altura em decorria a tradicional “Schmuck”,  iniciaram  uma programação alternativa e tangencial com carácter interventivo e de manifesto por toda a cidade de Munique. Os alunos intervinham em múltiplos lugares públicos, a cidade era colonizada por “jóias” um pouco por todo os espaços, procurando iniciar o público em geral no conhecimento e na vivência de uma  joalharia que era muito mais do que aquilo que a “Schmuck”, por si só, apresentava e também, do que a cadeia de ourivesarias tradicionais mostrava nas ruas de Munique.

Nestas acções, Künzli passou a desafiar os seus pares – nomeadamente outras escolas, tais como: Hiko Mizuno, no Japão,  o Sandberg Institute, na Holanda, por exemplo – e as manifestações passaram também a contaminar outros lugares. O “grupo de Künzli” que se apresentava em Munique foi gradual e anualmente aumentando, tornando-se cada ano mais poderoso com acções mais ambiciosas e visíveis. Os projectos criados para a “Schmuck” começaram a fazer itinerância noutros países e publicaram-se catálogos que compilavam uma documentação de excelência com textos reflexivos e ensaios sobre os conteúdos e os resultados destas acções.

O catálogo “Gold oder Leben / Gold or Life” de Março de 1993 , é sem dúvida incontornável, bem como o “Amsterdam - Munchen – Amsterdam – Tokyo-Tokyo – Amsterdam – Tokyo – Munchen-Munchen”, com ensaio de Walter Grasskamp, quatro anos mais tarde
.


“O Livro”, “A Exposição” e “A Venda”


4. Poster “My Exhibition”, Otto Kunzli, 2013.

Em Março de 2013, duas décadas depois destas primeiras “revoluções”, dá-se a verdadeira coroação do pioneiro deste grande movimento tangencial e paralelo à “Schmuck” do Handwerksmesse. “O Livro”, “A Exposição” e “A Venda”, são o tríptico de coroação de Otto Künzli que realiza este ano, em Munique,  na Pinakoteca der Modern,  a primeira retrospectiva da sua obra.

“A Exposição” – um “bunker” de cerca 200 metros quadrados acolhe oitenta vitrinas que mostram cerca de trezentas peças que narram o empenho e a revolução que Otto Künzli fez na história da joalharia contemporânea.
A impressão de se estar num depósito de uma transportadora ou num acervo de um Museu – ao entrar naquele lugar expositivo –  é total.
Oitenta caixotes numerados, em MDF cru, guardam no seu interior a “vida” de Künzli. Cerca de trezentas peças icónicas que revolucionaram a forma de pensar e fazer joalharia demarcam o seu território. A bandeira içada na parede não deixa dúvidas. Não são precisas mais palavras,  estamos em “Künzliland”! E quem desejar saber mais que invista cinquenta euros e adquira “O Livro” com seiscentas e noventa e sete  páginas.
A exposição peca por não comunicar com o público que desconhece este autor, inibindo-se de investir numa museografia gráfica que narre a sua obra,   destinando-se apenas a especialistas que a conhecem bem e se surpreendem por poder consumir Künzli ao vivo, através de peças reais. Peças  que  muitos de nós só tiveram acesso em catálogos, revistas, postais, plataformas na internet e, que hoje estão ali depositadas fisicamente permitindo o deleite do nosso olhar atento a detalhes, a cores, temperaturas, padrões e matérias.5. A Exposição”, Otto Kunzli, Pinakothek der Moderne, Munique, 2013.

Interessa reflectir que o lado informal e cuidadosamente desarrumado da disposição das cerca de oitenta “caixas / contentores” das jóias, confere à exposição uma aura de instalação que objectiva, declarada e intencionalmente nos deseja falar de acção, de dinâmica , de contaminação e de força.


6. A Exposição”, Otto Kunzli, Pinakothek der Moderne,
Munique, 2013.

O corpo está implícito porque aquelas jóias estão em trânsito. De partida. Em acção. Não estamos num depósito morto, mas num cais de abalada para outro lugar, porque estas jóias viajam, percorrem o mundo são omnipresentes. Veja-se em “O Livro”  as fotografias publicadas dos vários lugares e das pessoas por onde deambulam as pulseiras “O ouro torna-nos cegos”.

Sim, não é uma exposição para beginners e não o é deliberadamente. Um rei não sai do seu pedestal para contar as cerca de seis décadas da  sua História. O público se não a sabe, deveria saber. E, para que não hajam dúvidas, foi publicada uma monografia que narra todo o seu percurso. Um livro negro cheio de vigor, denso, que necessita tempo para ser digerido e bem absorvido. É  sem dúvida um manual e uma grande lição incontornável. 
 
A arrogância recorrente e permanente de Künzli, o seu fundamentalismo famoso transportou-o a este podium, mas este homem idolatrado por tantos é verdadeiramente humano e tem partilhado enorme e incessantemente o seu amor e o seu conhecimento por muitos alunos que o procuram ou que ele escolhe por vários lugares do mundo.  E, é essa dádiva / entrega que lhe traz tanto retorno e o faz merecer aquilo que hoje aqui presenciamos.

 



A Resistência

Importa agora reflectir sobre a urgência de afirmação da parte de todos os artistas emergentes e / ou consagrados que invadem oficial e anarquicamente “hoje” a cidade de Munique.


7. The Goldsmithing, Silversmithing and Jewellery Programme,
Royal College of Arts, London, Barersrasse 40, Munique, 2013.

A “clandestinidade” das apresentações chega a ser assustadora. Remete-nos para uma quase “resistência” camuflada e lutadora –  considerando os lugares que ocupam na cidade: os mais inóspitos, inesperados e desadequados quase mesmo imprevisíveis. Sótãos em prédios de cinco andares, sem elevador, casas de vinhos, anexos, cafés, montras, árvores.

A (in)visibilidade de todas estas instalações é, de facto, bastante discutível e impressionante. O público comum da cidade não as encontra, ou simplesmente não as identifica, pois desconhece a sua existência. Simplesmente não vê, porque não as procura.

A famosa frase “Se não sabe porque é que pergunta”, de João dos Santos,  ajuda-nos a compreender este fenómeno, elitista e isolado. Eles só são descobertos por especialistas, por verdadeiros cães de caça, que farejam o cheiro da jóia à distância.

Esta grande restrição é de facto questionável: Para quem se trabalha? Quem é o público desta acção e quem é o mercado?

O círculo é muito cerrado, tudo é aparentemente efémero considerando que dura cerca de três a cinco dias , mas é real e a energia que cada indivíduo e grupo depositam nesta  acção é incalculável.

Presentemente já se formam grupos de repórteres para cobrir o evento.
O Art Jewellery Forum  nomeou quatro membros para fazer a cobertura da acção, dois deles comentavam que no primeiro dia viram doze exposições, doze de mais de uma centena de acções para serem vistas em três dias. Sim, não é humanamente possível, há muita intervenção que fica na sombra , as nossas escolhas são por vezes aleatórias. Quem conseguimos encontrar? Quem fica mais perto? O que é que é possível? Luta-se pelo imperdível e pelo incontornável. Como foi o caso de “My Kingdom” de Tanel Veenre. Uma instalação, desta vez, numa oficina de moldes e fundição de bronze, deste artista estoniano, que marca forte presença na programação tangencial à “Schmuck” nos últimos três anos.

8. “My Kingdom”, Tanel Veenre, Kunstgiberei, Munique, 2013.

Partindo deste bom exemplo, constatamos que a grande maioria dos eventos  passou a ser uma enorme encenação. A jóia passou a depender quase em
 absoluto da forma como está exposta e do ambiente que se cria bem como do
 contexto onde está a ser apresentada. Cada lugar transforma-se num palco de emoções e de impressões. Constatamos aqui a ideia subjacente aos cinco minutos de fama proclamados por Andy Warhol. O tempo, a forma e lugar são a chave de cada apresentação. Mas o que se torna questionável é a efemeridade da acção, a encenação subjacente, a importância que passou a ter a instalação passando a jóia propriamente dita, enquanto artefacto, para um segundo plano.




As Galerias

O que conquistam ou desperdiçam as galerias da especialidade e os agentes dos artistas, que os representam ao longo de todo o ano e não apenas em três dias, e que têm como principal objectivo a conquista de um mercado consistente e de continuidade?

Obviamente que as galerias ganham mais público, mas o público deixa, por vezes,  de ser o mais desejado, ou seja, o que compra!  A desierarquização do público das galerias perturba os seus responsáveis. Algumas galerias querem preservar os seus coleccionadores, não querem ser invadidos por “pragas” de estudantes paparazzi que segundo eles “estão ali para fotografar e captar ideias, referências para os seus trabalhos futuros” – temem os galeristas, afirmando recorrentemente: “Não, não pode fotografar, os artistas não autorizam! Não pode falar, se quer falar saia!”. Esquecem-se que estes jovens artistas são com certeza potenciais futuros artistas agenciados. Este paradigma obriga, de facto, a uma reflexão, pois a sua exclusão motiva a auto-gestão, a anarquia e a alternativa, que por sinal é  o que a Galeria menos deseja.

Os galeristas tentam preservar a galeria como lugar de culto e de troca comercial. Jürgen Eickhoff galerista há mais de vinte anos orgulha-se pelo facto da sua galeria  de joalharia ser das poucas representadas no roteiro das galerias e instituições de arte em Munique e procura militantemente filtrar e preservar o seu espaço, queixa-se desta verdadeira invasão e falta de “controle de  qualidade” e de absoluta anarquização e ocupação de espaços, tal squatting, desde a década de 60!

É de facto uma boa analogia o movimento Squatter que ocupava indiscriminadamente os lugares vagos e disponíveis sem autorização do seu proprietário e por períodos relativamente curtos, embora aqui, claro está, a grande maioria das ocupações seja autorizada. A afinidade está no não ter casa, que neste caso significa não ter galeria, ou instituição que o represente. Mas, se por um lado, podemos considerar depreciativa esta avalanche, não podemos descorar a importância da dinâmica subjacente, da paixão, e da luta pela conquista de um lugar que cada um destes indivíduos procura nesta semana. Pergunta-se: se cada artista ali representado procurasse no seu dia a dia investir a mesma energia e entrega à imagem que investe durante aqueles dias não seria a sua vida profissional revestida de muito mais sucesso?
Sim, o esforço reunido, o dinheiro investido e luta para conquistar algo são exemplos da excelência de uma postura a adoptar sempre.

O problema é que dura três a cinco dias. Mas sim, estabelecem-se contactos, abrem-se portas e surgem múltiplas oportunidades. Será que  há continuidade em tudo isto?  Não passará de uma “petite morte” que esvazia a alma no momento do clímax?

  9 e 10. Karl Fritsch, “What I do for you”, Anéis, Galeria Biró, Munique, 2013




Portugal na programação tangencial à exposição “Schmuck, em 2013.


Lusitânia é o único grupo 100% português que se aventurou e lutou pela conquista de um lugar na programação “oficial clandestina” da “Schmuck”, em  2013.

11. Catarina Dias, “Lusitânia”, Anéis, F.X. Mushelkalk, Munique , 2013

Tal “resistência” ocuparam uma pequena loja de prova de vinhos portuguesa, numa zona residencial bastante periférica. Instalaram os seus trabalhos entre garrafas de vinho, chão e paredes vazias. O mobiliário presente foi utilizado displicentemente. Procuraram não entrar em conflito, nem se imporem demasiado. As peças foram instaladas de uma forma bastante desprendida e despreocupada. A ideia de múltiplo prevaleceu. A postura era claramente comercial. Muitas peças da mesma peça.  


12. Pedro Sequeira, “Lusitânia”, Colares, F.X. Mushelkalk,
Munique , 2013

Catarina Dias instalou numa parede, com a ajuda de alfinetes, uma linha de anéis em seda, cortados serialmente a laser, convidando os visitantes a adquirir um anel tal fitinha de desejos do Nosso Senhor do Bonfim da Baía. Sim, o anel prende-se ao dedo com pelo menos dois nozinhos e depois espera-se que se rompa. Catarina não falou em desejos, mas quem usa um anel procura muitas vezes simbolizar e preservar causas e ou vivências. A embalagem em pvc transparente confere-lhe um estatuto de produto de design acabado, autentica-o e supostamente confere-lhe credibilidade.

Pedro Sequeira, o mais despojado,distribuiu as suas peças pelo chão, mapeando o local com pontos cardeais. Eram de facto coordenadas que norteavam o espaço e que procuravam orientar o desnorte que o assombra. As suas peças “enigmáticas” deambulavam no espaço lembrando-nos “Robinson Crusoé”, pelo mistério, pela assemblage efémera de materiais e pela própria instalação. Colares construídos a partir de pequenos círculos de papel, enquanto contas, recuperados de máquinas de (per)furar papel para dossier e, outros desenhados a partir dos contornos de peças interiores masculinas, depositados numa  embalagem de madeira reciclada ao lado de uma caixa de falos esculpidos a partir de lápis de cera de múltiplas cores. O corpo aparece assim citado à espera de ser redesenhado.  As peças também, todas elas  na sua efemeridade aguardavam e permitiam manipulação e re-desenho.

13. Estefânia R.de Almeida, “Lusitânia”, Anéis, F.X. Mushelkalk, Munique , 2013.

Os anéis de porcelanas de Estefânia R. de Almeida eram muitos: todos iguais e todos diferentes. A ideia subjacente de instalação distraía-nos da ideia de o Anel. Eram, de facto, uma linha de anéis, uma caixa de anéis e não o anel. Os broches tal porcelana cravada em estruturas metálicas procuravam preservar a matéria branca imaculada, crua e simples.  R. de Almeida procura incessantemente depurar os materiais. As suas peças são regularmente minimais e esvaziadas de surplus, reduzindo a matéria à sua essência, procurando na forma os mínimos para a sustentar. Talvez o lugar presente fosse demasiado impositivo para a sua obra, este tipo de peças carece de um lugar “menos lugar”, requer austeridade, nada.


14. Inês Nunes, “Lusitânia”, Anéis e Pulseiras, F.X. Mushelkalk,
Munique , 2013

Inês Nunes com as suas pulseiras e anéis também nos fala do vazio e da ausência. As  estruturas clássicas que normalmente seguram cabochons ou camafeus, delimitam apenas um lugar no corpo, emoldurando a pele. Minimais e graficamente rigorosas, as peças variam subtilmente de  desenho conforme a medida do dedo ou do braço a que se destinam ou de o material com o qual são fabricados – metal pintado e/ou borracha foram os eleitos. Ainda em fase de experimentação, a apresentação em formato múltiplo acaba por banalizar a peça, que pela seu lado minimalista requer mais espaço “de respiração” e algum isolamento.

Patrícia Domingues participou no projecto expositivo “Plateaus” junto com Edu Tarin,  Barbora Dzurávová e Patrícia Dettar,  três colegas do curso de mestrado que se encontra a realizar na Hochschule für Edelstein und Schmuck, em Ider Obstein, na Alemanha.

Um sotão num 5º andar sem elevador na zona central de Munique acolhia-os. Um antigo atelier de pintura foi transformado numa galeria de joalharia. Os cavaletes sustentam as jóias, os desenhos foram subvertidos a bases de apoio, mesas para jóias. As jóias materializaram desenhos. Cada jóia foi instalada sobre uma aguada branca pincelada no cavalete. Todas as “jóias” estavam assinadas. Procurava-se subverter as disciplinas, criando uma dinâmica visual lúdica e sedutora. As peças de Patrícia traduzem cicatrizes. Sobre e a partir dessas fracturas Patrícia constrói verdadeiras fracturas em forma de paisagem, na sua maioria em formato de broche.

15. “Plateaus”, vista geral da instalação,  Munique, 2013.

As peças brutas e cruas são construídas, esvaziadas e simuladas. É extraordinário o investimento temporal e laboral que Patrícia dedica a cada obra que no final nos sugere uma pedra em bruto.
O rigor dos sistemas de prisão à roupa/corpo são exímios. O trabalho é honesto e imaculado. 


16. Patrícia Domingues, “Dualidade 2”, Broche, 75 x 50 x 15 mm
@ Plateaus, Munique, 2013 | Photo by Manu Ocaña.


E, por último, Cristina Filipe com C. B. Aragão apresentaram uma obra de 2012 “Reliquarium I” num novo contexto expositivo com a curadoria de Silke Fleischer. “This where they meet” fez parte da programação da galeria Platina no Handwerksmesse, no contexto “Frame” onde três galerias de Joalharia (Platina a Marzee e a RA), mostram os seus artistas.

Silke propôs a vários joalheiros convidarem um fotógrafo para documentar uma  peça sua num determinado contexto. As denominadas “Jewellery Sessions” traduziam visões, em suporte fotográfico, de jóias em variadíssimos contextos. Uma enorme assemblage de fotografias foi assim compilada e instalada junto com as peças de cada autor. Era impactante o resultado final pela força gráfica, pelos contrastes e pela exuberância caótica. Mas se a parede onde decorria a instalação pulsava de uma força latente e vigente que prendia o olhar dos transeuntes, as duas paredes laterais que conviviam com a instalação, e que não pertenciam à mesma, perturbavam e confundiam o projecto ali presente.

17. “Jewellery Sessions”, vista geral da exposição, Galeria Platina,“Frame” @ Handwerkmess, Munique, 2013.



Nota de Rodapé
1. Marília Maria Mira, pelas mãos de Ramon Puig Cuyas (então seu tutor na Massana), é apresentada à organização que, por sua vez,  a convida a indicar artistas portugueses a representar Portugal.


Cristina Filipe,
Presidente da Direcção da PIN.
Investigadora do CITAR • Universidade Católica Portuguesa.
Bolseira da Fundação para a Ciência e Tecnologia.


Brevemente será publicada a segunda parte deste artigo com uma reflexão crítica sobre outras exposições da programação  tangencial à “Schmuck” e sobre a edição de 2013 da exposição “Schmuck” propriamente dita.


Créditos Fotográficos:
Todas as fotografias são de Cristina Filipe, com excepção das figs. 1,  2,  8, 15 e 16 cujos créditos são dos autores representados.

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